28 Abril 2011
"Não saberia fazer comparações entre João Paulo II e pontífices do passado, até porque não gostaria de incorrer no reflexo condicionado de alguns católicos para os quais o melhor Papa é sempre o morto. Karol Wojtyla foi um personagem importante não só nos aspectos da fé, mas para a história do século XX".
Como historiador, como fundador da Comunidade de Santo Egídio, tão atenta ao diálogo internacional, Andrea Riccardi (foto) olha para o Papa que será beatificado no dia 1º de maio com um olho a mais com relação aos observadores do Vaticano e de questões estrangeiras. É o olho de frequentador do Pontífice polonês, como o é agora do seu sucessor alemão.
A rara combinação frutificou a esse privilegiado amigo dos Papas, e aos seus leitores e confidentes, um livro, Giovanni Paolo II. La biografia (Ed. San Paolo), entre os mais consultadores nessa vigília intensa.
A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 28-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Riccardi, Wojtyla é considerado um grande Papa. Por quê?
A personalidade de João Paulo II deve ser compreendida na sua inteireza. Porque, junto com o homem de fé, há a grande figura histórica. E diria que é essa a característica que o qualifica mais. Além disso, houve Papas tocados pela derrota. Wojtyla foi "um vencedor": digo-o entre aspas, justamente porque ele era extremamente consciente dos limites da vitória.
O monsenhor Georg Gaenswein, assistente pessoal de Bento XVI, afirma que o Papa atual "é o primeiro devoto de João Paulo II". Há uma linha de continuidade entre os dois?
Eu vejo índoles diferentes. Porque um é um poeta polonês, enquanto o outro é um universitário alemãos. Mas noto uma linha contínua. Bento foi escolhido por um conclave que sentia fortemente a continuidade com João Paulo II. Wojtyla me disse: "Ratzinger é o último teólogo do Concílio Vaticano II". Ele sempre foi próximo do Papa, e o Papa o consultava frequentemente. Os seus primeiros gestos como Bento XVI foram marcados por João Paulo II. Sim, ele é o primeiro devoto de Wojtyla.
Há quem diga que ele foi feito beato muito rapidamente. Concorda?
Digo que esperar um ou dois anos a mais não teria muito significado. Existe, com relação a Wojtyla, um certo revisionismo: a sua grandeza escandaliza a estreita medida tanto de alguns leigos, quanto de alguns eclesiásticos. Por outro lado, ele sempre se sentiu como um homem do Concílio Vaticano II, como fica evidente também do seu testamento. Para entender o Concílio, aliás, é preciso passar por Wojtyla. E não só: é preciso afirmar a continuidade do seu pontificado com o de Paulo VI, embora pouco sensível às reformas da Igreja. Wojtyla era diferente, mesmo que muito ligado à figura do papa Montini.
Fala-se também dos lados obscuros do seu pontificado: a busca de financiamentos para o Solidarnosc por meio de canais não propriamente lícitos, a falha compreensão da luta de bispos comprometidos em batalhas difíceis, como por exemplo Oscar Romero em El Salvador, o apoio ao mais do que controverso fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degollado. Como o senhor avalia tudo isso?
Wojtyla foi uma grande figura histórica. Em 27 anos de pontificado, encontrou muitas pessoas. Fez coisas grandíssimas, coisas medíocres, e não fez algumas ou nem as pôde fazer. Teve derrotas: como o Sínodo africano em Roma, enquanto em Ruanda desencadeavam-se os massacres, e todo o capítulo chinês, do qual ele permaneceu indiferente. Mas não se governa por 27 anos com uma varinha mágica.
Peço-lhe que nos conte uma recordação inédita.
Remonta ao início dos anos 1990. Era verão, e estávamos em Castel Gandolfo, em plena confusão da secessão [italiana]. E ele, com os punhos sobre a mesa, explodiu: "Mas aqui quem defende a unidade da Itália, senão este Papa velho e estrangeiro?". E, enquanto o dizia, parecia muito italiano.
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"Wojtyla foi um vencedor da História, mas não conseguiu fazer algumas coisas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU